16 de fevereiro de 2006

Preços & revisões de preços...

Nem de propósito. No Domingo passado, dia 12 de Fevereiro, o jornal “Público” publicou um extenso trabalho sobre “O grande embuste do preço das obras públicas”, trabalho esse que trata com rigor e profundidade, ouvindo especialistas e comparando com a vizinha Espanha, alguns dos aspectos relativos às omissões, aos excessos e às muitas habilidades que circulam nos subterrâneos da contratação de estradas, pontes, aquedutos, centros culturais e outras obras públicas encomendadas pelo Estado ou pelas autarquias locais.

O que se verifica é que os chamados “trabalhos a mais” e as “revisões de preços”, embora cobertos pela lei, são o grande lençol por onde se podem estender eventuais deficiências dos projectos e onde se podem esconder dificuldades orçamentais momentâneas, adjudicando-se as obras por preços que nada têm a ver com a realidade e que depois disparam em direcção ao infinito. A Arquitecta Helena Roseta, conhecedora, pela profissão, destas situações, chama-lhes “Derrapagens ou hipocrisias”(?), abrindo desta forma a porta aos fantasmas que ensombram o sector.

É por isso que já há países - onde estas coisas são levadas a sério e os dinheiros dos contribuintes têm o tratamento que merecem - que pura e simplesmente proibiram os trabalhos a mais automáticos para o empreiteiro que ganhou o concurso para determinada obra. Se se verificar que esses trabalhos são necessários, há um concurso complementar de que é excluído o empreiteiro inicial! Uma excelente forma para dissipar algum eventual nevoeiro que encharca o sector.

Voltando ao início. Nem de propósito porquê?

Na reunião da Câmara Municipal do passado dia 8 do corrente mês de Fevereiro foram aprovadas três “revisões de preços” relativas a outras tantas obras públicas realizadas no Município de Vila Nova de Famalicão, por sinal, obras de beneficiação (coisas simples) em três estradas nacionais que, como é sabido, foram entretanto municipalizadas, na base de um protocolo celebrado com o Instituto de Estradas.

Para a Estrada Nacional 309, numa extensão de 20 quilómetros, foi aprovada pelo vereadores do PSD e do PP uma revisão de preços de 105.289,08 euros, mais de 21 mil contos em dinheiro antigo a mais do que o contratado inicialmente com a empresa José Moreira Fernandes & Filhos, Lda, vencedora do concurso. Ou seja, mil contos a mais por cada quilómetro. Os vereadores do PS abstiveram-se na votação.

Para a Estrada Nacional 310, numa extensão de 7 quilómetros e meio, foi aprovada pelos vereadores do PSD e do PP uma revisão de preços de 45.502,12 euros, mais de 9 000 contos em moeda antiga em relação ao preço inicial da adjudicação feita também à empresa José Moreira Fernandes & Filhos, Lda. Ou seja, mais de mil contos a mais por quilómetro. Os vereadores do PS abstiveram-se de novo na votação.

Finalmente, para a Estrada Nacional 204-5, numa extensão de 8 quilómetros, foi aprovada por unanimidade, também com os votos favoráveis dos vereadores do Partido Socialista, uma revisão de preços no montante de 10.000 euros, pouco mais de 2 000 contos, à empresa Dacop Construções, ganhadora do concurso para a realização desta obra. Ou seja, 250 contos a mais por cada quilómetro.

Se compararmos as duas últimas situações (Estrada Nacional 310 e Estrada Nacional 204-5), o que se verifica é que, para uma extensão de trabalhos quase idêntica (7,5 e 8 quilómetros) e para trabalhos muito semelhantes (repavimentação de estradas), os números não são nada coincidentes nas “revisões de preços”, embora os cálculos estejam todos feitos de acordo com a lei. O que falhou então? Ou há projectos mal elaborados e mal fiscalizados ou há obras que são adjudicadas por valores inferiores ao seu valor real. Depois a lei resolve o problema.

Se a lei é má, mude-se a lei.

Longe vão os tempos em que o Presidente da Câmara dizia que, com ele, não haveria revisões de preços nem trabalhos a mais! De nada vale dizer, qual coroa de glória, que determinada obra é adjudicada por um valor inferir ao “valor-base” estabelecido pelos serviços. Como se vê, no fim, paga-se tudo com “língua de palmo”!

Mário Martins

(publicado no “O Povo Famalicense” de 14/02/2006)