2 de junho de 2010

Parceria público-privada - JV


 Depois de nove anos de gestão municipal durante os quais não foi capaz de construir mais do que um pavilhão desportivo (Vermoim) e uma piscina (Ribeirão) a coligação PSD/CDS decidiu, há cerca de um ano, que era a altura de construir um novo estádio de futebol (eufemísticamente denominado “nova cidade desportiva”), um pavilhão multiusos, um pavilhão desportivo municipal, mais dois “complexos de piscinas” e mais três pavilhões desportivos – tudo em três anos!
E porque esta tarefa é demasiada para a sua capacidade, a coligação decidiu recorrer à (também eufemística) figura da “parceria público-privada” (PPP) para conceber, financiar, construir e manter este pacote de investimentos. O objectivo é simples: os privados financiam e fazem as construções no prazo previsto de três anos e o Município fica a pagar-lhes durante vinte e cinco anos, com juros.
Ao Município caberá apenas pagar! Com língua de palmo como veremos.
Vamos por partes.
Os Vereadores do PS sempre se manifestaram contra esta PPP, basicamente por três conjuntos de razões: dimensão e prazo de concretização do projecto, oportunidade da sua realização e solução encontrada para a realizar.
Os vereadores do PS sempre reclamaram mais investimento municipal. E, não o querendo reduzir a equipamentos desportivos, sempre concordaram ser necessário continuar a construção de pavilhões e piscinas municipais. Não está, portanto, em causa a necessidade, a conveniência e a oportunidade de construir pavilhões municipais (a proposta inclui três - em Nine, Cavalões e Avidos - num investimento global de 3,7 M€) e piscinas (na proposta, em Vale S. Cosme e Louro, com um custo global de 4,8 M€). O valor previsto para estas infra-estruturas é, portanto, de 8,5 M€ - nada que o Orçamento Municipal não possa acomodar em três / quatro anos.
Muitas dúvidas se colocam no entanto quanto à oportunidade / necessidade da construção de um novo pavilhão desportivo municipal (1,8 M€) e, ainda por cima, de um pavilhão multiusos (12 M€).
Nenhumas dúvidas, finalmente, sobre a inoportunidade / desnecessidade da construção de um novo estádio de futebol (30 M€).
Estes três últimos investimentos custarão, portanto, cerca de 44 M€.
Tudo somado temos portanto um investimento de 51,3 M€ para realizar em três anos!
Porquê embrulhar no mesmo pacote a megalomania de mais de 51 milhões de euros de equipamentos desportivos, todos para realizar com urgência, em três anos? Porquê, de repente, 5 pavilhões desportivos, 2 piscinas e 1 estádio de futebol, em três anos?!
Por uma razão: libertar toda a actual zona desportiva da cidade, destruindo o estádio municipal, o campo de treinos e o pavilhão municipal para desenvolver projectos imobiliários.
Será esta a razão de 43,8 milhões de euros para o novo estádio, o novo pavilhão municipal e o novo multiusos. Os outros projectos, a dispersar por algumas freguesias – e até porque são realmente necessários – servem de papel para este embrulho, servem para simular um projecto de desenvolvimento desportivo municipal que não existe, servem para dissimular a verdadeira natureza do projecto: imobiliário!
Famalicão pediu um novo estádio? Não. Em três anos? Muito menos.
Se esta megalomania era – há cerca de um ano quando tudo começou a ser do conhecimento público – um atrevimento abusivo, hoje é um disparate que a coligação devia ter vergonha de subscrever.
Há um ano atrás as dificuldades económicas do País já eram conhecidas. Hoje já obrigam a muitos sacrifícios diários concretos que um mínimo de decoro exigiria fossem respeitados.

Em resumo, o projecto é megalómano, o prazo previsto para a sua realização absurdo, a oportunidade é a pior e a solução encontrada para o realizar, a PPP, é um instrumento de fuga às responsabilidades, desenvolvida de forma opaca e, finalmente, escolhida de forma anedótica.
Tudo junto é uma enorme irresponsabilidade financeira que deixará o Município com uma divida insuportável, que o estrangulará durante 25 anos.
Se for avante, custará mais de 500.000 € (mais de 100 mil contos) por mês durante 25 anos, com uma factura final que ultrapassará os 150 milhões de euros, sem lhe somarmos os custos de exploração!

A PPP merece, no entanto, mais algumas considerações.
O processo começou mal. Desde logo porque tudo foi configurado de forma errada, desvalorizando a componente técnica (peso de 10%) e sobrevalorizando a componente financeira (peso de 60%) sem, no entanto, assegurar o menor custo para o Município. Como acabou por acontecer, a decisão de escolher um determinado consórcio foi feita atendendo principalmente a critérios financeiros – não ganhou aquele que apresentou melhores projectos, que encontrou as melhores soluções para satisfazer as necessidades dos Famalicenses, nem sequer aquele que apresentou o melhor preço (o menor custo para o Município). Foi escolhido o consórcio que, sob opinião muito discutível da consultora que a Câmara contratou, apresentou o melhor modelo financeiro. O melhor, portanto, não é o mais barato, nem o que apresenta melhores propostas técnicas – é o que manipulou melhor a importância dos subcritérios financeiros definidos no “caderno de encargos”.
O cuidado em defender o dinheiro de todos nós foi nenhum: o critério “menor custo para o Município” tinha um peso de somente 12%!
Antes, a escolha das duas assessorias contratadas pela Câmara para ajudar o júri a decidir já tinha sido polémica: em vez de fazer um concurso para escolher as consultoras, a coligação escolheu sozinha, directamente, sem concurso, a Quantumasters e o IPCA. Sem explicar porquê. Na altura os vereadores do PS sugeriram a abertura do concurso para assegurar um módico de transparência. Sem sucesso. Como escrevemos então na nossa justificação de voto (5/11/2009) “foram escolhidas por uma qualquer razão que a nossa razão não deve conhecer. Votamos, naturalmente, contra a aprovação da proposta”.
À Quantum foi encomendada uma avaliação numa “vertente mais económica e empresarial” e assim foi feito; a consultoria adjudicada ao Instituto Politécnico do Vale do Ave (IPCA) tinha outra natureza, “mais académica, contabilística e fiscal” mas, no entanto, o IPCA não escreveu uma única linha sobre avaliação contabilística nem uma única linha sobre avaliação fiscal!
Nem escreveu que no meio de mais endividamento, a coligação quer mais um empréstimo de longo prazo!
Não deixa de ser espantoso que seja exigida à “parceria” o pagamento de “direitos de superfície” ao Município (e com o mesmo peso na avaliação que o critério “viabilidade económica e financeira”….!!). Isto é, a título de exemplo, a proposta classificada em primeiro lugar dispõe-se a pagar 2,2 M€ pelos direitos de superfície (relativos à utilização de terrenos municipais para neles construir as infra-estruturas). Este pagamento será feito imediatamente mas, como é óbvio, será repercutido nas rendas a pagar pelo Município, tratando-se, portanto, de um empréstimo encapotado feito pela “parceria” ao Município.
Sinal de dificuldades da coligação em contrair empréstimos junto da Banca (onde sairia certamente mais barato), este é também um subterfúgio destinado a contornar os limites da capacidade legal de endividamento, com uma vantagem adicional: se passasse despercebido dispensaria a coligação de explicar sobre o destino que pretende dar ao dinheiro.
Para além da situação caricata criada com esta imposição, o pagamento dos direitos de superfície serve para desvirtuar parte do sentido da análise das propostas, uma vez que quem pagar mais pelos direitos de superfície verá esse esforço condicionar o valor das rendas a pagar pelo Município…. e o “custo para o erário público municipal”!

Conclusão
A coligação PSD/CDS pretende agora, com recurso a endividamento maciço, fazer em três anos, antes das próximas eleições, o que não foi capaz de fazer em nove.
Se fossem obras urgentes poderia justificar-se um esforço de todos. Se o investimento fosse, por exemplo, para completar a cobertura do Município com redes de saneamento e de água (quantas freguesias não têm, ainda hoje, e apesar da propaganda, água de qualidade ou rede de saneamento) …. Mas não! É, principalmente, para construir um estádio novo e destruir o actual!
Assumir, numa altura de crise profunda, de incerteza e de dificuldades para todos, um compromisso de 150 milhões de euros, a pagar 500 mil euros por mês durante vinte e cinco anos, para satisfazer um capricho da coligação, não!
Para além do mais, os procedimentos realizados para escolher o parceiro da PPP são uma soma de trapalhadas que só poderia acabar como acabou: com uma chuva de reclamações dos consórcios concorrentes, que encontraram muitas razões para duvidar dos processos de avaliação do Júri e do resultado dessa avaliação.
Nós também encontramos. E também por essas razões (para além de todas as outras que enunciamos), votamos convictamente contra a aprovação da proposta.

Uma pergunta final: por que é que o presidente da Câmara Municipal não participou na votação, retirando-se da reunião um minuto antes de esta proposta – a de maior importância financeira de sempre! – ser submetida à votação?!


Vila Nova de Famalicão, 2 de Junho de 2010.

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